O Esquecido Caso Do Sequestro Do Caixão De Charles Chaplin

Cotidiano

Em 25 de dezembro de 1977, o mundo se despedia do grande criador do icônico Carlitos, que com a mesma bengala com que enfrentou os caprichosos flagelos da vida transformou o novo meio de entretenimento do cinema em arte. O lendário Charles Spencer Chaplin (1889-1977), amplamente considerado o maior comediante e uma das figuras mais importantes da história do cinema, morreu no início da manhã “de velhice”, segundo seu médico.

Nascido na pobreza, ele se tornou um artista imortal graças à sua brilhante humanização dos conflitos tragicômicos do homem com o destino. Mais do que um comediante virtuoso, Chaplin era um ator, escritor, músico e diretor versátil que aperfeiçoou meticulosamente todos os aspectos de seus filmes.

Pôster do filme “City Lighs” de 1931

O vagabundo mais famoso do mundo, um homenzinho bonitinho de bigode preto e andar bamboleante, vestido com calças largas e paletó justo, sapatos enormes e um chapeuzinho-coco, fazia rir milhões de pessoas e, em algumas ocasiões, trazia lágrimas aos olhos, sem dizer uma só palavra. Quando o som chegou à sétima arte, ele ainda lutou para que os filmes continuassem mudos porque, segundo ele, “ninguém quer ouvir o que um ator tem a dizer“. Só que ele mesmo tinha muito a dizer.

O discurso final do seu primeiro filme falado “O Grande Ditador” (1940) foi uma admirável e progressista defesa da democracia, que não se ouvia nos domínios do Terceiro Reich, nem na Itália nem na Espanha, pois Adolf Hitler, Benito Mussolini e Francisco Franco proibiram o filme, provando que Chaplin havia acertado em cheio.

Sua vida, porém, também foi marcada por polêmicas e fazer uma comédia sobre um líder nazista foi uma delas.   Mais tarde, ele escreveria que estava determinado a fazê-lo porque era essencial rir de Hitler.

Mas ele havia se metido na política e, embora sua vida privada também alimentasse os tabloides, seria a política que lhe causaria mais problemas. Seus discursos durante a 2ª Guerra Mundial, pedindo uma segunda Frente Ocidental com aliados soviéticos para derrotar Hitler, irritaram muitos conservadores.

Cena de “O Grande Ditador”, de 1940

Com o advento da Guerra Fria, e as mais absurdas teses da vergonhosa comissão McCarthy que investigava as Atividades Anti-Americanas, suas amizades com figuras artísticas de destaque acusadas de simpatizar com a causa comunista o colocaram na mira das autoridades. O deputado John E. Rankin, um legislador de direita do Mississippi (Estados Unidos), estava entre os que o denunciaram e exigiram sua deportação. A vida de Chaplin “é prejudicial ao tecido moral da América“, disse Rankin, pedindo que ele fosse mantido “fora das telas americanas e que suas imagens repugnantes sejam mantidas fora dos olhos da juventude americana”.

Finalmente, em 1952, o ator, súdito britânico e em 1975 nomeado cavaleiro pela rainha Elizabeth 2ª, foi praticamente expulso dos Estados Unidos. De nada valeu seu “efeito incalculável em transformar o cinema na forma de arte do século 20”, reconhecida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas daquele país 20 anos depois com um Oscar Honorário. Embarcando em um navio com destino à Inglaterra, ele foi informado pelo Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos que sua reentrada naquele país seria negada a menos que estivesse disposto a responder às acusações “de natureza política e torpeza moral”.

Indignado e farto do assédio implacável das autoridades, os Chaplins se mudaram para a Suíça. Foi lá que ele morreu aos 88 anos, poucas horas antes do início da tradicional festa de Natal de sua família.

Chaplin e Oona. Ele tinha 54 anos e ela, 18, quando se casaram.

Sua quarta esposa, Oona, filha do dramaturgo Eugene O’Neill, e sete de seus 11 filhos estavam com ele. Ele, que fez 81 filmes em uma vida cinematográfica que começou em 1914 e terminou em 1967, foi enterrado em uma cerimônia privada dois dias depois nas colinas acima do Lago de Genebra.

Mas isso não foi o fim da história.

Alguns meses após sua morte, seu corpo foi roubado por uma dupla de ladrões atrapalhados.

 

Em março de 1978, eles desenterraram o caixão para forçar a viúva de Chaplin, Oona, a pagar 400 mil libras na época (uma fortuna ainda hoje em valores atuais). Lady Chaplin havia herdado cerca de 12 milhões de libras após a morte de seu marido. Ela se recusou a pagar dizendo “Charlie teria achado ridículo” .

Em ligações subsequentes, os sequestradores ameaçaram ferir seus dois filhos mais novos. A família manteve silêncio sobre os pedidos de resgate, mas isso não impediu que vários rumores circulassem sobre o caixão desaparecido.

Uma reportagem publicada à época especulou que o caixão havia sido desenterrado porque Chaplin era judeu e tinha sido enterrado em um cemitério gentio. Enquanto isso, a polícia suíça montou uma operação na qual 200 quiosques telefônicos foram monitorados e o telefone dos Chaplins, grampeado. Cinco semanas depois, os autores do sequestro foram localizados e presos.

Chaplin

O caixão foi encontrado mais tarde, enterrado em um milharal no Lago de Genebra. Um porta-voz disse: “A família está muito feliz e aliviada por esta provação ter acabado“.

O superintendente Gabriel Cettou, chefe da polícia de Genebra, disse à imprensa que os dois homens seriam acusados de tentativa de extorsão e perturbação da paz dos mortos.

Quase um ano após a morte de Chaplin, em seu julgamento em 11 de dezembro de 1978, um refugiado polonês confessou a um tribunal suíço que desenterrou o corpo e tentou extorquir dinheiro da família do comediante. Roman Wardas, um mecânico de automóveis de 24 anos, disse que não conseguiu um emprego e estava passando por momentos difíceis quando leu um artigo de jornal sobre um caso semelhante na Itália.

“Decidi esconder o corpo de Charlie Chaplin e resolver meus problemas”, explicou Wardas ao Tribunal Distrital de Vevey. Ele acrescentou que pediu a seu amigo Gantscho Ganev, um búlgaro de 38 anos, que o ajudasse a desenterrar o caixão em Corsier-sur-Vevey, perto da mansão onde Chaplin morou por 23 anos. “Particularmente, não me preocupei em interferir em um caixão“, disse ele. “Ia escondê-lo mais fundo no mesmo buraco originalmente, mas estava chovendo e a terra ficou muito pesada.

Túmulos de Oona e Charles Chaplin

Foi por isso que ele foi levado no carro de Ganev e enterrado novamente no milharal. O co-réu disse ao tribunal: “Não me importei em levantar o caixão. A morte não é tão importante de onde eu venho.” Ganev esclareceu que depois de ajudar Wardas naquela noite, não se envolveu mais no assunto.

Segundo um relatório psiquiátrico solicitado pelo advogado de Ganev, o búlgaro, que concordou em fazer parte do plano de Wardas acreditando que os riscos eram mínimos, ficou alarmado com o impacto público do desaparecimento do caixão. Wardas foi condenado a quatro anos e meio de trabalhos forçados por planejar essa trama. Seu cúmplice, descrito como um “homem musculoso” com um senso de responsabilidade limitado, recebeu uma pena suspensa (pena de substituição à prisão) de 18 meses.

O caixão de Charlie Chaplin foi enterrado novamente no cemitério original, numa cova de concreto à prova de roubo.

Fonte: BBC com adaptações
https://www.bbc.com/portuguese/geral-64091751

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