Páscoa Vermelha

Cotidiano

A Páscoa judaica, é uma das celebrações mais importantes do judaísmo. Para quem não sabe ou não se lembra, o hebreu comemora a libertação da escravidão no Egito, conforme relatos Bíblicos, durante oito dias. Na primeira noite eles fazem o Seder, que é o jantar no qual são feitas orações e consumem alimentos relacionados a essa história bíblica.

Mas pouca gente sabe que, nas décadas de 1920 e 1930, os judeus soviéticos (ou que viviam em uma das repúblicas soviéticas) assistiram a uma enorme mudança nessa festa religiosa, em que o poder soviético a usou como uma forma de promover o comunismo, só que sem nenhum espaço para religião.

Na década de 1920, os judeus ainda se recuperavam da Guerra Civil Russa e, querendo viver com mais segurança, alguns passaram a se aliar ao Partido Comunista, porque achavam que o Exército era o lado menos violento nesse período de confronto.

Essa época está bem relatada no livro “Soviético e Kosher: A Cultura Popular Judaica na União Soviética” de (2006) escrito pela professora Anna Shternshis. Os bolcheviques eram oficialmente contra o antissemitismo, mas isso não queria dizer que eram favoráveis à religião, seja qual fosse. Então, mesmo que o governo aprovasse a literatura, o teatro iídiche, as escolas judaicas, entre outros, também conspiravam para que a religião em si fosse abandonada e substituída por uma outra identidade.

O Peassach e o Seder não cabiam no novo estilo de vida que propagavam, o que levou aos judeus do Partido Comunista a organizarem, em 1921, a chamada “Páscoa vermelha“, uma versão debochada da comemoração como uma forma de educação política, onde Deus era substituído pela Revolução Russa e a libertação do capitalismo.

Essa versão passou a ser realizada em todo país, por artistas, autores e atores que queriam transformar seus camaradas judeus em bolcheviques. Eles privilegiavam os membros mais jovens, que normalmente levavam vidas soviéticas em público, mas seguiam as tradições religiosas dentro de casa.

É difícil saber os detalhes dessas celebrações e algumas publicações e entrevistas com judeus da época ajudam a compreender a situação que envolvia até a blasfêmia de distribuir pão durante o feriado – um alimento que era evitado nesses oito dias – e que não tiveram tempo de deixar o alimento crescer quando fugiram do Egito.

Nem a Hagadá, livro religioso com histórias, canções, orações e rituais que contam o Êxodo do Egito, não escapou. Lido durante o Seder, a obra foi bastante satirizada na forma de panfletos ou suplementos em jornais dirigidos às comunidades judaicas, zombando do judaísmo e promovendo os ideais do partido.

Lavem toda a lama burguesa, lavem o mofo de gerações e não digam uma bênção, digam uma maldição“, escrevia a Hagadá de 1923, distribuído para Crentes e Ateus, com modificações até heréticas do ritual de lavar as mãos antes do jantar da Páscoa.

Nas publicações originais da Hagadá, pode se ler a frase “Fomos escravos do faraó no Egito, e Adonai, nosso Deus, nos tirou de lá com mão forte e braço estendido”, mas a versão soviética elevava a revolução: “Éramos escravos do capital até que outubro chegou e nos conduziu para fora da terra da exploração com mão forte e, se não fosse outubro, nós e nossos filhos ainda seriam escravos“.

A partir de 1930, os judeus soviéticos já estavam tão enraizados na cultura secular generalizada que o Partido Comunista fechou as escolas judaicas, esvaziando a Páscoa vermelha. “Eles decidiram naquela época que o projeto de sovietização dos judeus soviéticos estava concluído e não precisavam de mais eventos assim”, explicou Shternshis.

Uma década depois, Stálin liderou um onda enorme de antissemitismo e atacou ainda mais essa cultura, levando-os para as margens da sociedade e provocando uma nova diáspora dos judeus, agora na União Soviética.

O impacto dos Seders comunistas e outros projetos perdura até hoje. Uma pesquisa realizada em 2020 com aqueles que estavam no país nesse período apontou que muitos deles viam a língua, a ancestralidade e o Estado de Israel como partes essenciais de suas identidades judaicas, mas sem dar uma importância real para a religião em si.

Seja como for, o Pessach está aí, e enquanto os membros dessa comunidade irão considerar celebrá-lo ou não, uma grande certeza é que poucos, ou quase nenhum, irão optar pela versão comunista.

Para o católico, este dia representa o Jesus ressuscitado.   E, seja qual for a sua religião, boa Páscoa !

Texto adaptado do megacurioso, por Renzo Grosso
Imagens da Internet

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