O Patinho Feio

Tecnologia

Não é a fábula do dinamarquês Hans Christian Andersen, mas o que era considerado como o primeiro computador brasileiro que fez 50 anos em setembro de 2022.

O “Pato Feio” foi construído em 1972 pelos alunos da Escola Politécnica da USP, numa versão bem humorada do “concorrente”, por assim dizer, chamado “Cisne Branco”, computador da UNICAMP, encomendado pela Marinha do Brasil, para equipar as fragatas em substituição aos computadores ingleses que as equipavam. O “Patinho” é considerado o primeiro computador integralmente feito no Brasil pelo então Laboratório de Sistemas Digitais (LSD) da USP, pesava 60 Kg e tinha 4 Kb de memória, o que equivale a uma página de texto e olhe lá.

O Cisne Branco jamais saiu do papel, mas o “Pato Feio” fez bonito no limitado cenário nacional. Foi através dele que originou-se o G-10, o protótipo feito para a Marinha, que serviu de base para o primeiro computador comercial brasileiro, o Sistema 500 (MC 500), lançado pela Cobra – Computadores Brasileiros em 1975.

Para se ter uma ideia do que significa a potência computacional dele, o computador de bordo da sonda da NASA que pousou na lua em 1969, o chamado computador de orientação da Apollo 11 (AGC), tinha poder inferior ao de um carregador USB de smartphone dos dias de hoje.

Daria para imaginar que um computador de 50 anos atrás não poderia competir com nada nos dias de hoje, mas ninguém pensava que essa diferença viria a ser tão grande. O AGC foi um dos primeiros computadores fabricados com circuitos integrados e extremamente avançado para sua época. Eram mais de 5.600 transistores que eram capazes de executar quase 40 mil cálculos simples por segundo. Um número que beira o ridículo hoje em dia, pois qualquer calculadora faz muito mais do que isso.

Só para se ter uma ideia do que são 4Kb (kilobytes ou 4 mil bytes), que era a memória do “Patinho”, um smartphone qualquer começa com memória de 64 Gb (Gigabytes ou 64 bilhões de bytes). Como comparação da capacidade de processamento, seria o mesmo que ir para a Lua levando apenas uma calculadora de 5 dólares para controlar toda a nave e o AGC.

Em 1972 o Brasil já estava bem atrasado em várias questões. Na tecnologia nem se fala, até por conta da festejada “reserva de mercado” na informática, que fomentava o desenvolvimento de equipamentos nacionais e criou monstros ou apenas privilégios. Nos anos 1980, quando começaram a aparecer os primeiros computadores pessoais no Brasil, um fabricante/montador brasileiro de computadores fez uma publicidade enorme nas revistas especializadas com a utilização inédita de um certo componente em substituição a outros cinco.   Na verdade, esse componente nada mais era do que um circuito integrado que já não era nem mais usado no exterior de tão obsoleto.

Durante toda a década de 1980 e 1990, o país aplaudiu a “Reserva de Mercado“. Na verdade, foi uma época amarga da tecnologia brasileira, pois nada mais foi desenvolvido aqui. Tudo era copiado descaradamente dos padrões IBM e Microsoft. Só a Itautec fugia um pouco disso, mas pagava royalties respeitáveis pela tecnologia que importava. As empresas nacionais eram nada mais do que simples montadoras de PCs com placas e componentes vindos, em grande parte, do contrabando.

O país perdeu muitas fábricas de semicondutores para países asiáticos em parte porque o “custo Brasil” inviabilizava a fabricação aqui. Em outra parte, porque o mercado asiático produzia tudo com custos absurdamente menores, incluindo a mão de obra local.

Ao ser entrevistado depois de uma tragédia numa fábrica na Índia, com vários mortos, o diretor de uma grande empresa química norte-americana disse textualmente que, “para fazer tudo certinho”, eles ficariam nos Estados Unidos. Vários produtos caríssimos são feitos usando a mão de obra quase de graça dos trabalhadores de países pobres como a Gucci, Chanel, Zara…   Mesmo em São Paulo, de vez em quando a polícia estoura um local análogo a trabalho escravo, geralmente uma das milhares de confecções clandestinas que empregam imigrantes bolivianos.

Bom, claro que saí do tema, mas tudo isso serve de exemplo da falta de apoio à tecnologia. Certa vez eu fui até um dos laboratórios da USP, para tentar descobrir a fórmula de um produto estrangeiro, que já não existia mais e que era extremamente eficaz na limpeza. O químico que me atendeu disse que não teria problema em identificar os componentes e o processo produtivo, mas iria custar X e, caso eu mesmo fornecesse os reagentes, esses valores seriam bem menores. Questionado, ele me disse que a USP não tinha os reagentes e que seria necessário abrir uma licitação para comprá-los. Assim, seria mais rápido e prático se eu mesmo os fornecesse.  Não dá pra imaginar a maior universidade do país sem produtos para trabalhar.

Em muitos países, as universidades são o caminho principal para a descoberta e desenvolvimento de novos produtos. Nem a NASA fabrica foguetes. Ela contrata alguém que os faça, como a Boeing, com projetos que nasceram nas universidades atendidas pela própria NASA ou pelo governo norte-americano.

O Brasil tem maltratado demais a educação e a tecnologia com cortes constantes de verbas até para o básico.  O Brasil só se preocupou em ter um satélite próprio voltado à meteorologia nos anos 1990.    Até então, a previsão do tempo era feita com imagens de satélites norte-americanos, que se preocupavam mais com o oceano pacífico, e mostravam o Brasil meio de lado de onde só era possível identificar alguns estados mais à oeste.   Os nossos meteorologistas faziam milagres com as ferramentas que dispunham.  Já tivemos o que já foi considerado um dos melhores supercomputadores do mundo, comprado pelo INPE em 2010, que chamamos de Tupã e que trabalha em boa parte para a previsão do tempo que é uma informação importantíssima nos dias de hoje.

Na época, o Tupã custou cerca de US$ 23 milhões e foi adquirido da empresa Cray. Esse tipo de equipamento tem vida relativamente curta, entre 5 e 6 anos, considerando o quanto ele trabalha. Só que, nos últimos anos, várias funções foram desligadas e canibalizadas (para fornecer peças) o que comprometeu bastante sua capacidade de processamento. Isso porque não foram adquiridos novos componentes e até mesmo a energia elétrica necessária vinha sendo cada vez mais suprimida por absoluta falta de condições de pagar as contas !  Dinheiro de pinga comparando o benefício que ele trás.

Esse é o espelho. Veremos os reflexos no futuro.

Texto de Renzo Grosso, adaptado com pesquisas em diversas fontes.

Nota adicional: Um processador A16 Bionic, que equipa o iPhone, tem  16 bilhões de transistores confinados em poucos centímetros quadrados.

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