As Lojas Americanas e a Kraft Heinz

Diversos

Em janeiro de 2023, um tribunal brasileiro afirmou que a Americanas SA, listada na Bolsa de Valores com como AMER3, pode ser responsabilizada por pagar até R$ 40 bilhões (e a conta cresce a cada dia) em dívida pagas antecipadamente e de maneira “inconsistente“. Tais inconsistências fazem parte de uma declaração do próprio varejista: “A contabilização inadequada dessas operações de financiamento nas demonstrações financeiras da Americanas não permitiu a correta apuração do nível de endividamento da empresa ao longo do tempo”.

Para bom entendedor, isso significa “desvio” e, segundo alertas, as Lojas Americanas podem enfrentar cobranças antecipadas de dívida de até US $ 8 bilhões após escândalo contábil.

Um grupo que representa acionistas minoritários apresentou uma queixa à CVM alegando uma “fraude multibilionária”, depois que a Americanas disse ter descoberto essas “inconsistências”, inicialmente estimadas em 20 bilhões de reais.

“Chamar isso de ‘inconsistências’ nada mais é do que uma tentativa de usar um eufemismo para uma fraude multibilionária que não apenas destruiu o patrimônio dos acionistas, mas também minou a credibilidade do mercado de capitais brasileiro”, disse a Abradin (Associação Brasileira de Investidores).

A Abradin também pediu uma investigação na PwC, auditora da empresa. A PwC, claro, se recusou a comentar.

A Americanas afirmou que ela e seus credores estavam buscando juntos uma “alternativa viável“.

As ações da Americanas se recuperaram um pouco depois de despencarem mais de 75%, eliminando R$ 8,4 bilhões em valor de mercado quando, ainda em janeiro, o presidente-executivo, Sergio Rial, que estava no cargo há apenas nove dias, pediu demissão após a descoberta dessas irregularidades.

A CVM anunciou três investigações sobre o varejista e a própria empresa declarou ter formado um comitê para investigar.

(São Paulo – Sergio Rial –
Foto: Beto Barata/PR

“Acho que este é o maior escândalo que já vi na bolsa de valores brasileira”, disse James Gulbrandsen, diretor de investimentos da NCH Capital na América Latina, à Reuters.

Fabio Alperowitch, gestor da FAMA Investimentos, disse ter vendido sua posição na Americanas em 2019 devido à “opacidade” de suas demonstrações financeiras. “Todas as evidências de má conduta estavam lá”, ele twittou.

“O que chama muita atenção é o tamanho do problema. Não é fácil esconder R$ 20 bilhões”, disse Eric Barreto, professor do Insper de São Paulo.

A Americanas é controlada há muito por três bilionários brasileiros que fundaram a 3G Capital, (Jorge Lemann, Marcel Teles e Beto Sicupira) e tem uma rede de lojas onipresente nos shoppings do país. A unidade de e-commerce da empresa é uma das maiores varejistas online do país.

Analistas do banco JPMorgan declararam que “O mercado (incluindo nós) ainda não compreende totalmente quais são as implicações totais para a Americanas”.

Eric Barreto

As agências de risco rebaixaram a nota da empresa assim que souberam do problema. Não vamos nos esquecer que essas mesmas agências de risco deram nota AAA ao Banco Lehman Brothers um dia antes da falência.

Os diretores da Americanas venderam cerca de R$ 215 milhões (US$ 42 milhões) em ações entre julho e setembro, segundo registros regulatórios. A empresa não informou vendas por acionistas controladores ou membros do conselho.

Um relatório, divulgado em 13 de junho de 2023, acusava o ex-CEO Miguel Gutierrez e vários ex-diretores e executivos de envolvimento na fraude. Enquanto isso, o atual CEO da Americanas, Leonardo Coelho, depôs perante parlamentares em Brasília, e alegou que a reportagem apenas documentava fraudes cometidas pelos ex-executivos e que conselheiros da varejista não estavam envolvidos na conspiração.

O Caso Heinz

As “inconsistências” contábeis perseguem Jorge Lemann e seus sócios na 3G Capital que, no primeiro trimestre de 2023, que foi processado nos EUA em US$ 15 bilhões.

Estes primeiros meses de 2023 estão sendo de turbulência para eles. Dois meses após o rombo bilionário da Americanas, uma investidora dos EUA abriu processo contra Lemann e seus sócios.

O motivo é similar ao visto no Brasil. Consta que a investidora norte-americana, Adriana D. Felicetti, protocolou processo pelos problemas enfrentados pela Kraft Heinz em 2019. À época, erros no balanço geraram baixa contábil de US$ 15,4 bilhões.

Conforme a petição inicial do processo, protocolado em 6 de março deste ano, a investidora acusa Lemann e a 3G Capital de terem falhado em seu dever fiduciário com a empresa e seus acionistas, além da prática de insider trading (uso indevido de informação privilegiada) para lucrar com os papéis da Kraft Heinz antes de os problemas contábeis virem a público. Nessa ação, ela reivindica uma série de coisas como reparação das perdas, ressarcimento da multa que a Heinz teve que pagar à SEC (Securities and Exchange Comission, que regula o mercado de capitais nos EUA – o similar americano da CVM brasileira) e mais uma porção de outras coisas.

Os advogados de Felicetti apontaram na ação que Lemann e a 3G Capital não cumpriram com o papel de garantir que a companhia divulgasse informações precisas e não enganosas e, além de esconder a verdade, se apropriaram de informações não públicas em benefício próprio, vendendo grande quantidade de ações ao público que não tinha todas as informações por mais de US$ 1,2 bilhão.

Em 2019, a mesma SEC acusou a companhia de ter erros contábeis. Assim, a empresa foi obrigada a corrigir e republicar os balanços, que mostraram uma baixa contábil de U$ 15,4 bilhões.

No caso da Kraft Heinz, os problemas estavam ligados à área de compras da companhia, acusada de esconder os custos reais com fornecedores e manter contratos falsos. Em 2021, a SEC e a Kraft Heinz firmaram acordo, que demandou da companhia arcar com multa de US$ 62 milhões.

Além de Lemann, são acusados no processo Marcel Telles, sócio da 3G, Alexandre Behring, cofundador da 3G que foi CEO da Kraft Heinz e Bernardo Hees, que já foi CEO de Heinz e Burger King. Deste caso, apenas Beto Sicupira, também sócio-fundador da 3G, parece estar de fora do problema, porque não assumiu nenhum cargo na Kraft Heinz no período do caso.

Infelizmente para os três brasileiros, a fofoca corre solta. Há quem diga, sem provas, de que esse é o método mais usado por eles para enriquecer: uso de informações privilegiadas, inconsistências nos balanços e etc.

Nos EUA não tem muito o que conversar: ou resolve ou vai em cana. Às vezes vai em cana mesmo resolvendo. Aqui, a coisa fica por isso mesmo e os pequenos investidores que se explodam.

Texto de Renzo Grosso, adaptado de notícias da Reuters, Retail Insight e outros.

Anúncios

Deixe um comentário